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23 de Abril de 2024
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    Fóruns e tribunais vivem abarrotados de processos provocando excessiva demora na prestação jurisdicional

    Publicado por Direito Legal
    há 14 anos

    Responsabilidade civil do estado por dano decorrente da morosidade na prestação jurisdicional

    Por: Adelson Freitas de Andrade Júnior
    INTRODUÇÃO

    O crescimento populacional, a industrialização do país, o nível cada vez maior de conscientização dos cidadãos, a ênfase dada à “nova” Constituição do Brasil, a evolução tecnológica pelo qual passa o mundo, tudo isso concorreu para uma procura da Justiça em escalas sem precedentes. Conseqüentemente os fóruns e tribunais vivem abarrotados de processos provocando excessiva demora na prestação jurisdicional.

    A Magna Carta, ao assegurar expressamente o direito fundamente à razoável duração do processo, sinalizou para os operadores do direito e legisladores infraconstitucionais que a sociedade não mais suporta a lentidão dos feitos judiciais.

    O lesado pela intempestiva prestação, por sua vez, não tem alternativa senão se voltar contra aquele que tinha o dever de lhe oferecer Justiça, mas não o fez.

    Ora, foi-se o tempo em que soberania significava irresponsabilidade, que a decisão do rei era incontestável e desprovida de vícios (the king can do not wrong). A sociedade evoluiu, o direito também. Hoje o Estado é responsável por seus atos.

    O Poder Judiciário, como poder estatal, não está imune à reparação dos danos decorrentes da má prestação de seus serviços. Será que o princípio da eficiência só vale para o Executivo e Legislativo? Certamente que não.

    Na Europa, em países como Itália, Portugal e Espanha, já é aceita a responsabilidade do Estado pelo serviço judiciário ineficiente. No Brasil, recrudesce a corrente doutrinaria que pugna pela responsabilização, não obstante a jurisprudência ser muito reticente. Acredita-se que o posicionamento dos Tribunais será revisto, em razão da ótica constitucional dada ao tema pela Emenda nº 45/04.

    1. DEVER ESTATAL DE INDENIZAR PELA LENTIDÃO PROCESSUAL

    1.1 Jurisdição – Direito Subjetivo e Dever Estatal

    O direito a um processo judicial célere deve ser analisado de duas formas. A primeira como um direito subjetivo do jurisdicionado e a segunda como um dever do Estado.

    Nesse diapasão, destacamos o ensinamento pertinente da Profª. Carmem Lúcia Antunes Rocha (1993, p. 35), vejamos:

    O direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, outra, dever do Estado.

    A autora acrescenta adiante asseverando que (op. cit., p. 36 e 37):

    O direito à jurisdição apresenta-se em três fases que se encadeiam e se completam, a saber: a) o acesso ao poder estatal prestador da jurisdição; b) a eficiência e prontidão da resposta estatal à demanda de jurisdição; e c) a eficácia da decisão jurisdita.

    A atividade jurisdicional, como função estatal, não se diferencia da executiva nem da legislativa, cabendo aplicar a lei ao caso concreto.

    Ora, ao Estado foi dada a tutela jurisdicional. Se este se omite em exercê-la, ou exerce-a tardiamente, abre-se brecha para autotutela, ou seja, retrocede-se à lei de talião: “olho por olho, dente por dente”.

    A prestação jurisdicional intempestiva equivale em muitos casos à negativa do direito tutelado, cabendo, por conseguinte, a responsabilização do ente estatal pelos danos ocasionados. Nesse sentido são as palavras de José Cretella Júnior (1998, p. 195): “O serviço público deve funcionar; deve funcionar bem; deve funcionar no momento exato. Não-funcionamento; mau funcionamento ou funcionamento atrasado podem ser fatos geradores de dano e, pois, de responsabilidade”.

    Todavia vem ocorrendo invariavelmente o oposto. O Poder Público, a quem compete a tutela de direitos, é o mais renitente dos réus, interpondo uma série de recursos infundados com a manifesta intenção de adiar indefinidamente o fim da demanda judicial.

    Resumidamente podemos afirmar que o Estado deve garantir a todo aquele que entende que sofreu um dano ou ameaça de lesão o direito de requerer e de se submeter à tutela jurisdicional. Essa garantia, contudo, não deve ser encarada sob um prisma meramente formal.

    1.2. Anormal Funcionamento Singular e Estrutural

    O funcionamento anormal da atividade jurisdicional deve ser relacionado ao descumprimento das normas jurisdicionais pela omissão de seus agentes, ou em razão da falta ou má estrutura dos órgãos competentes para seu exercício.

    Importante diferenciar mau funcionamento, falta de funcionamento e funcionamento defeituoso. Para tanto, relevante a colaboração de Oreste Nestor de Souza Laspro (2000, p. 226):

    Interessante é distinção encontrada, especialmente na doutrina espanhola, entre mau funcionamento, falta de funcionamento e defeituoso funcionamento. O primeiro pressupõe uma decisão e, portanto, é o erro judiciário. O segundo relaciona-se à denegação completa da função jurisdicional, e , portanto, ao próprio Estado de Direito. O terceiro relaciona-se as dilações indevidas e aos atrasos injustificáveis. Os dois últimos encerram o chamado anormal funcionamento da jurisdição.

    Assim, tratar do funcionamento anormal da atividade jurisdicional significa examinar aquelas hipóteses em que o Estado deixa de prestar, total ou parcialmente, o serviço jurisdicional.

    O presente artigo adota a divisão estabelecida por Oreste Nestor de Souza Laspro (op. cit, p. 226-227), distinguindo o anormal funcionamento da atividade jurisdicional em dois grandes grupos: o anormal funcionamento singular e o anormal funcionamento estrutural. Essa divisão é fundamental, na medida em que, no primeiro grupo, encontram-se as hipóteses de responsabilidade do juiz e do Estado e, no segundo, só do Estado.

    Sob a denominação anormal funcionamento singular, encontram-se elencadas todas as hipóteses em que é atingido um processo isoladamente, pois o Estado deixou de prestar regularmente o serviço jurisdicional em determinada situação concreta.

    Esse mau funcionamento pode se dar em três hipóteses. A primeira quando for resultante da demora excessiva na prolatação de uma decisão. A segunda em razão da indevida paralisação da demanda, ou seja, em paralisações não previstas na legislação processual. Já a terceira se apresenta em razão de extravio dos autos.

    Destaca-se que a omissão no julgamento da lide e a indevida paralisação do processo podem ser resultantes tanto da inércia do julgador em dar andamento ao processo, como também da inércia em aplicar as penas cabíveis naquelas hipóteses em que a parte contrária deixa de dar o regular andamento.

    Já o segundo grupo, o denominado anormal funcionamento estrutural, pode ser causado, por exemplo, pela falta de pessoal auxiliar, prolongada ausência de Juiz, falta de equipamentos e excesso de processos.

    Ao contrário dos casos anteriores em que o processo é atingido isoladamente, nestes, o problema é oriundo da própria organização judiciária.

    A bem da verdade, esses problemas estruturais normalmente não aparecem isoladamente, sendo certo que os prejuízos causados às partes são resultantes da presença de vários deles. De qualquer modo, também nesses casos, se a parte sofre dano em razão do atraso na prestação jurisdicional, tem direito ao respectivo ressarcimento.

    Com efeito, Laspro (op. cit, p. 229) ensina o seguinte:

    Aliás, tanto nos fenômenos singulares, como naqueles globais, o anormal funcionamento da Justiça não está ligado apenas à recusa em julgar (denegação de justiça, estritamente falando), mas sim, e geralmente, à excessiva duração dos processos, que, sem dúvida alguma, constitui uma das suas mais graves ocorrências. [...] em todas as hipótese, desde a mais pura denegação da justiça até o menor atraso na tutela jurisdicional, deve a parte prejudicada ser devidamente ressarcida.

    1.3 Reparação do Dano

    Levando-se em consideração que a reparação do dano é, como produto da teoria da responsabilidade civil, uma penalidade imposta ao responsável pelo prejuízo em favor do lesado, tem-se que, via de regra, todos os danos devem ser ressarcíveis, eis que, mesmo impossibilitada a determinação judicial de retorno ao status quo ante, sempre se poderá fixar uma importância em pecúnia, a título de compensação.

    No caso da reparação de dano proveniente da morosidade na prestação jurisdicional, no nosso entendimento e abalizado por boa parte da doutrina, notadamente por Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella di Pietro, estamos em sede responsabilidade subjetiva, pois se trata de uma omissão do Estado.

    O lesado pela lentidão processual deve provar que a conduta omissiva do Estado-Juiz ocasionou determinado dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, bem como a culpa do Estado. Imprescindível que reste provado o nexo de causalidade entre o resultado danoso e a conduta omissiva do Estado.

    A prestação jurisdicional morosa gera dano ao indivíduo, na medida em que este está sujeito a ver perecer seu direito pleiteado em decorrência do anormal funcionamento da justiça.

    Por certo, se as normas processuais não são adequadas ao bom desenvolvimento da função jurisdicional e este fato produz alguma espécie de dano, a responsabilidade pelo seu ressarcimento não está na atividade jurisdicional, mas sim, eventual e excepcionalmente, na atividade legislativa. Assim sendo, o poder judiciário não pode ser responsabilizado pelo anacronismo da legislação processual vigente.

    A conduta estatal que acarreta lentidão nas decisões interlocutórias e finais ocorre quando (LASPRO, op. cit, p. 226):

    dolosamente, como nos casos da recusa ou omissão consciente em desacordo com a lei, o magistrado demora a decidir ou ordenar providências, com o intuito claro de prejudicar, perseguir, auferir lucro, etc.; procedendo com desídia, não decide, conservando os autos do processo consigo, displicentemente, relaxadamente, ocasionando com o seu pouco caso e falta ao dever prejuízos às partes; essa demora ou lentidão for atribuível à falta ou insuficiência de juízes ou funcionários, obrigando ao acúmulo de processos e serviços judiciários, tornando-se praticamente impossível manter-se a pauta em dia.

    Em qualquer dos casos acima insurge o dever reparatório do Estado. Todavia, nos casos de dolo, culpa ou desídia (que é uma forma de culpa, equiparada à negligência), o Estado responderá pelo dano podendo posteriormente acionar regressivamente o agente causador do dano.

    Boa parte da doutrina entende que é patente o dever reparatório do Estado pelos danos causados em decorrência da prestação jurisdicional intempestiva. Vejamos o que diz o jurista Yussef Said Cahali (1995, p. 638):

    A pretensão indenizatória se legitima naqueles casos de culpa anônima do serviço judiciário, de falhas do aparelhamento encarregado da distribuição da Justiça, envolvendo, inclusive, as deficiências pessoais dos magistrados recrutados; assim, nos casos de morosidade excessiva da prestação jurisdicional com equivalência à própria denegação da Justiça, de erros grosseiros dos juízes, relevados sob o pálio candente da falibilidade humana. (grifo nosso)

    O eminente jurista Luiz Wambier (apud STOCO, op. cit, p. 1022) tem posicionamento semelhante, vejamos:

    A demora na prestação da tutela jurisdicional constitui-se, no mais das vezes, em causa de sensível dano ao cidadão; imaginar que, seja qual for a sua causa, possa resultar na irresponsabilidade do Estado é raciocínio que implica desconsiderar o preceito constitucional da ampla reparabilidade das lesões aos direitos do Cidadão.

    Rui Stoco (op. cit, p. 1024) entende também ser inconteste a responsabilidade estatal pelo anormal funcionamento do Judiciário. Vejamos:

    Em resumo, a ausência do serviço causado pelo funcionamento defeituoso – e não em face da atuação das partes ou pela demora decorrente de circunstâncias absolutamente alheias à vontade de quem preside o processo -, mas até mesmo pelo retardamento injustificado do Juízo, é quantum satis para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em desfavor do jurisdicionado. [...] Ora, se o Estado responde pelos atos de seus agentes, não há como afastar a responsabilidade do Poder Público quando a demora no julgamento da causa decorra de retardamento injustificado ou omissão do julgador ou dos auxiliares da Justiça.

    Relevante também o raciocínio de José Augusto Delgado (apud STOCO, ap. cit., p. 1022), Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, quando defende o direito do jurisdicionado à reparação nos casos em tela, aduzindo ainda que a publicização do inconformismo com uma Justiça morosa já é um meio legítimo de pressionar a máquina estatal por um modelo mais eficiente. Vejamos:

    A realidade mostra que não é mais possível suportar a morosidade da Justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência dos seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a negação da Justiça por retardamento na entrega da prestação jurisdicional. Outro caminho não tem o jurisdicionado, senão o de voltar-se contra o próprio Estado que lhe retardou justiça, e exigir-lhe reparação civil pelo dano, pouco importando que tal via também enfrenta idêntica dificuldade. Só o acionar já representa uma forma de pressão legítima e publicização do seu inconformismo com a Justiça emperrada, desvirtuada e burocrática.

    Já no que concerne ao posicionamento jurisprudencial, destaca-se que é relativamente pequena a quantidade de demandas pleiteando a reparação de danos decorrente da intempestiva prestação jurisdicional. Ressalta-se que o posicionamento jurisprudencial dominante, destoando do entendimento doutrinário, entende que não há falar em responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional.

    Todavia, o direito evolui. Acredita-se que com a crescente conscientização dos jurisdicionados e dos próprios julgadores, sobremodo após a EC 45/04 que acrescentou expressamente ao texto constitucional o direito subjetivo à razoável duração do processo, esse posicionamento poderá ser revisto.

    Importante rememorar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal com o voto do ilustríssimo Ministro Aliomar Baleeiro, em 21.06.66, Recurso Extraordinário nº 32.518, que mesmo vencido , assim expôs (DELGADO, op. cit., p. 06):

    Se o Estado responde, segundo antiga e iterativa jurisprudência, pelos motivos multitudinários, ou pelo “fato das coisas” do serviço público, independentemente de culpa de seus agentes (R.E. da Bahia, Salvador Araújo versus Prefeitura de Salvador, caso de rompimento dos esgotos pluviais por força de temporal violentíssimo), com mais razão deve responder por sua omissão ou negligência em prover eficazmente ao serviço da Justiça, segundo as necessidades e reclamos dos jurisdicionados, que lhes pagam impostos e até taxas judiciárias específicas, para serem atendidos.

    De forma magistral continua:

    Dou provimento ao recurso, porque me parece subsistir, no caso, responsabilidade do Estado em não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça, ocasionando, por sua omissão de recursos materiais e pessoais adequados, os esforços ao pontual cumprimento dos deveres dos juízes. Nem poderia ignorar essas dificuldades, porque, como consta das duas decisões contrárias ao recorrente, estando uma das Comarcas acéfala, o que obrigou o Juiz a atendê-la, sem prejuízo de sua própria – ambas congestionadas de serviço – a Comissão de Disciplina declarou-se em regime de exceção, ampliando os prazos.

    Pertinente também a sentença de primeira instância da 7ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, proferida em 09.11.95, pela então Juíza Federal Marisa Ferreira dos Santos, hoje integrando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do proc. nº 89.0017372-3, tendo como autor o Sr. Oswaldo Sanches e ré a União Federal. No caso concreto supra, o autor se sagrou parcialmente vencedor em uma ação trabalhista perante a Justiça do Trabalho, depois de decorrido 20 (vinte) anos para o desate da lide por força da ineficiência do Judiciário, o que lhe acarretou profundos danos morais e materiais. A magistrada assim decidiu in verbis (transcrito parcialmente):

    A morosidade da Justiça é a causa maior de seu descrédito pelo jurisdicionado: causa angústia, insatisfação. O Poder Judiciário, constitucionalmente investido na função da composição de conflitos, ao demorar para dar seu veredicto, acaba, ele mesmo, por ser causa de mais insatisfação e, conseqüentemente, de mais conflito. A Constituição Federal de 1988 assegura o acesso à Justiça. Ao lado da garantia constitucional do direito de ação está a triste realidade da tramitação morosa dos processos, que fulmina os direitos fundamentais do cidadão, acaba com as esperanças do jurisdicionado e aumenta o descrédito na Justiça. A mesma interpretação pode ser dada ao texto constitucional de 1967, vigente à época dos fatos. A Justiça brasileira está congestionada. Por quê? Porque lhe falta infra-estrutura mínima para funcionar e ser eficiente: instalações adequadas, funcionários qualificados, juízes em número suficiente, leis processuais menos burocráticas. Mas, acima de tudo, é necessário que o próprio Estado seja o primeiro a cumprir a Lei, e não o maior causador de seu descumprimento. O jurisdicionado não pode pagar por essa situação lamentável em que nos encontramos. Cabe à União Federal, no caso, velar e zelar para que os serviços públicos, inclusive o serviço judiciário, sejam eficientes; cabe a esse ente político a criação de condições para que esse serviço seja bem prestado. De nada adianta o trabalho insano de Juízes e funcionários se a estrutura em que se assentam não é adequada ao serviço que devem prestar. Mas, repito, o jurisdicionado não deve pagar por isso. Continua ele a ter direito à prestação jurisdicional eficaz, ou seja, apta à solução dos conflitos. Se a União Federal, ente político incumbido da prestação do serviço, não o põe à disposição do jurisdicionado de modo eficiente, e se dessa deficiente atuação sobrevém, dano, incumbe-lhe indenizar.

    O dano ressarcível pode ser material ou moral. O dano material precisa ser provado e ele pode se vislumbrar em vários casos, como exemplificado por Stoco (op. cit, p.. 1024):

    Os juros de mora ou compensatórios pagos pelo vencido por um período maior do que o devido, em razão da demora no julgamento; a necessidade de arcar com alugueres por longo período em razão do não recebimento da indenização na desapropriação; os lucros cessantes em razão do bloqueio dos bens por tempo excedentemente ao razoável; o prejuízo que a tutela antecipada causou em razão do reconhecimento tardio na decisão de mérito que a antecipação foi equivocada e outras hipóteses.

    Nada obsta, também, a reparação da dor moral sofrida pela vítima da morosidade processual, sendo certo que competirá ao lesado demonstrar, sob a égide da teoria objetiva do risco administrativo, o liame de causalidade entre o comportamento estatal e o dano moral injustamente suportado.

    O dano moral decorrerá dos malefícios que a demora no julgamento por vários anos causa à imagem da pessoa; o abalo de sua personalidade, no seu crédito; o sofrimento, a angústia, a dor etc (STOCO, op. cit., p. 1024).

    O entendimento trazido por alguns tribunais brasileiros, rejeitando a indenização dos danos extrapatrimoniais pela lentidão da prestação jurisdicional, sob o argumento de que qualquer processo acarreta estado de ansiedade nos litigantes, tornando-os intranqüilos, sem que se possa falar em condenação judicial pela causa deste estado de ânimo e de que qualquer processo pode ter um curso relativamente extenso, tornando os contentadores tensos durante o seu trâmite, constitui (LASPRO, op. cit., p. 226)

    [...] grave violação ao ordenamento jurídico vigente, ofensivo à garantia do devido processo legal, entendimento descompassado com as tendências mundiais a respeito da responsabilidade pelo exercício da atividade jurisdicional.

    Por fim, entende-se que a indenização deve ter também cunho educacional para evitar a reiteração dos referidos danos e, ainda, impulsionar o Estado a desenvolver projetos eficazes para atuação do Judiciário, de maneira a não prejudicar o jurisdicionado através da morosidade da marcha processual.

    A responsabilidade do Estado pela morosidade processual será elidida quando presentes determinadas situações tendentes a romper o nexo causal entre a conduta estatal e o dano causado, quais sejam: a culpa exclusiva da vítima, a força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa de terceiro.

    Caso o Estado seja condenado a ressarcir o dano, poderá o mesmo, em decorrência da relação vinculativa entre este e o agente público, requerer regressivamente que causador imediato do dano reponha à Fazenda Pública os gastos com a indenização ao particular.

    O magistrado responde também por culpa, na modalidade negligência, quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Para tanto, deve cumprir o disposto no parágrafo único do art. 133 do CPC, conforme ensinamento de RUI STOCO (ob. Cit., p. 1025). Nelson Nery Júnior (2002, p. 485) aduz o seguinte:

    A omissão ou o retardamento na prática de ato de ofício, ou a requerimento da parte, acarreta para o Juiz dever de indenizar os prejuízos decorrentes dessa omissão ou retardamento. A infração aqui é punida a título de culpa. Para que se caracterize a responsabilidade pessoal do Juiz, deve ser ele cientificado pelo escrivão de que deve praticar o ato em dez dias (CPC 133 par. ún.). Sem esta providência não há lugar para a responsabilidade de que trata o inciso.

    CONCLUSÃO

    Qualquer serviço público implica a idéia de responsabilidade de quem o executa. A atividade jurisdicional, como todo serviço público, é passível de ser responsabilizada, pois a tutela jurídica não é só pelo Estado-Juiz, mas também contra o Estado-Juiz.

    O processo traz consigo um impacto de natureza psicológica enorme. Os consumidores dos serviços estatais aguardam agilidade do Judiciário para por fim ao dissabor dos conflitos de interesses. Não basta, pois, que seja resolvido o problema entregue ao Estado, é preciso a resolução de maneira célere e eficaz. Nesse sentido é um célebre brocado do grande jurista Rui Barbosa: “Justiça tardia não é Justiça”.

    Há que se encontrar um meio para resolver o problema. A esperança, a crença, enfim, tudo que possa aliviar o sofrimento do ser humano está depositado, em parte, na Justiça.

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    Fonte:
    Responsabilidade civil do estado por dano decorrente da morosidade na prestação jurisdicional. ANDRADE JÚNIOR, Adelson Freitas de. Disponível em http://www.lfg.com.br. 30 de outubro de 2008.

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