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19 de Abril de 2024
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    Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou o Hsbc Bank Brasil

    Publicado por Direito Legal
    há 13 anos

    Inteiro teor da decisão:

    0215262-47.2007.805.0001 – Ação Civil Coletiva

    Autor (s): Marilda De Moura Requiao

    Advogado (s): Thaís Requião de Melo Sanjuan

    Reu (s): Hsbc Bank Brasil Sa

    Advogado (s): Arace Leal Ivo Valadao

    Sentença: (…) Basta dizer que, se as instituições financeiras do país resolvessem, hoje, estabelecer juros finais que variassem entre 20% e 30% ao mês, por mais absurdo que isso seja, nos dias atuais, a taxa final média de mercado repassada ao tomador/consumidor seria de inacreditáveis 25% ao mês. Sobressai cristalino que tal entendimento não se coaduna com os princípios que vedam a lesão enorme e o locumpletamento indevido.
    Logo, só se pode assumir como referencial válido aquele que não pode ser manipulado pelas instituições financeiras…
    …O custo de captação, com base na Selic, atualmente (agosto de 2007), está em torno de 11,3% ao ano, segundo dados coletados no site do Banco Central – http:/www.bcb.gov.br/pec/indeco/port/ie2-31.xls .
    A inflação prevista está girando em torno dos 3% ao ano.
    Nesta ordem de idéias, pode-se perceber que a taxa de juros reais suplanta, em qualquer um dos casos, o patamar de 8% – 9% ao ano, o que mantém o Brasil como o país com a maior taxa de juros reais do mundo!
    Nada obstante isso, o spread em favor das instituições financeiras que administram cartões de crédito, isto é, a diferença entre o custo de captação e a taxa final repassada ao consumidor é, na maioria das vezes, superior a 140% ao ano!!! No caso dos autos, é impossível chegar-se ao spread verdadeiro porque, tais instituições, por não estarem submetidas ao controle e à fiscalização do Banco Central do Brasil, não têm os seus números divulgados com transparência e clareza.
    Não se está, porém, a negar o direito de lucro às instituições financeiras. O que se quer coibir, que fique bem claro, é o absurdo, a lesão. Evidentemente, têm elas direito ao ressarcimento integral do custo da operação de captação de recursos no mercado financeiro – se e quando devidamente comprovada a captação”.
    A Desembargadora Socorro Santiago do Tribunal de Justiça da Bahia também comunga com este entendimento ao sustentar em voto como relatora na Apelação Cível 0087140-50.2006.805.0001-0 na Segunda Câmara Cível:
    “… Nesse particular, cumpre observar que os juros remuneratórios se referem “aos interesses devidos como compensação pela utilização do capital alheio”. Dessa forma, aquele que empresta determinada soma em dinheiro pode pactuar juros com o fito de obter compensação pela indisponibilidade temporária do capital disponibilizado. A compensação do capital emprestado nos termos acordados entre as partes, configura, pois, o fundamento dos juros remuneratórios.
    Nos termos da Lei 4.595/64, compete ao Conselho Monetário Nacional limitar, sempre que necessário, as taxas de juros nas operações e serviços bancários.
    Não se olvide que a referida legislação foi editada no início do regime militar e, em tal contexto histórico, é cediço que pensar-se em respeito aos chamados direitos básicos da pessoa humana não compunha os interesses dos mandatários de então. Dentro desse quadro, jamais se imaginaria, com razoável senso de percepção, que estariam os detentores do poder debruçados sobre os direitos dos consumidores, principalmente porque contrários às gigantescas e poderosas instituições financeiras, essas sim sustentadoras daquele repudiado regime.
    O Recorrente, socorrendo-se da referida Lei 4.595/64, sustentou que o limite de juros previstos na Lei de Usura, assim como no código civil, não seria aplicável às instituições financeiras, tendo em vista o princípio da recepção, citando em seu favor a Súmula 596 do STF.
    Ocorre, porém, que o direito, mais que mero conjunto de regras, é também conjunto de princípios que norteiam como um todo as normas do ordenamento jurídico e se prestam ao julgador, desatrelando-o da letra fria da lei. Por conseguinte, superada a questão atinente à auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, em razão da Súmula nº 596 do STF, tenho que não pode sobrevir o vazio normativo, nem restar ao exclusivo talante do executivo a matéria pertinente à remuneração do capital, pois na prática tal conduta se tem mostrado completamente destoante do interesse público, embora fervorosamente defendida pelos agentes financeiros, por razões que as estatísticas econômicas elucidam melhor que qualquer discurso que se pudesse elaborar.
    Por tais razões, a dita “liberdade” não pode ser instrumento de domínio e espoliação do consumidor. Assim, os juros não podem ser fixados de forma escorchante, transmutados em uma forma institucionalizada de concentração de renda. Cabe ao judiciário, portanto, interceder diretamente na relação jurídica, reconhecendo a faculdade de as instituições financeiras pactuarem as taxas remuneratórias, mas adequando-as, sempre que necessário, à novel realidade já captada há muito pelos que vivenciaram no CDC não simplesmente mais uma lei sujeita a não “pegar”, e sim uma tendência algo utópica – mas totalmente irreversível – de se fomentarem relações jurídicas de fato equânimes, equilibradas e fundadas na boa-fé, tudo isso enfaticamente (re) traduzido no artigo 421 do Código Civil de 2002.
    Diante disso, a remuneração do capital de forma superior a 12% ao ano, diante de uma realidade que retribui o simples mortal poupador de caderneta de poupança com cerca de 50% desse percentual, mostra-se de todo abusiva, reclamando a pronta intervenção do Estado-Juiz, o que equilibradamente foi efetivado em primeiro grau.
    Acertada, pois, a limitação dos juros por abusividade manifesta, ferindo disposições da legislação consumerista”.

    Assim, acompanhando as razões acima elencadas, comungamos com o entendimento de que o percentual de juros superior a 12% incidente nos contratos de consumo, notadamente no contrato de financiamento objeto desta demanda, é abusivo e onera excessivamente o consumidor, porque este não pode suportar remunerar o capital para a aquisição de bens e serviços em valor acima de um por cento ao mês, quando a poupança popular é remunerada a valor muito inferior a este percentual, se caracterizando como prática abusiva e usurária a imposição de percentual acima deste patamar e por isso, este deve ser expurgado da dívida revisada.

    Também é pacifico o entendimento que veda a capitalização mensal dos juros, nos termos do quanto preceitua o art. , do Decreto nº 22.626/33 ao estabelecer: “é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.”

    O Supremo Tribunal Federal, através da súmula nº 211, estabelece que:

    “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

    A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é enfática ao vedar a capitalização de juros, in verbis:

    “Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei n. 4.595, de 1964, o art. do Decreto n. 22.626, de 1933. “. (4ª Turma do STJ, no REsp. 124.780-RS, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO)

    “Recurso especial assentado em dissídio jurisprudencial. Contrato de abertura de crédito. Capitalização dos juros. Súmula nº 121/STF.
    “1. No tocante à capitalização dos juros, permanece em vigor a vedação contida na Lei de Usura, exceto nos casos excepcionados em lei, o que não ocorre com o mútuo bancário comum, tratado nos presentes autos.
    “2. Recurso especial não conhecido.”.

    Portanto, ilegal e abusiva a capitalização dos juros incidente no contrato ora em análise.

    Também não se pode conceber a cumulação de comissão de permanência com a correção monetária, dada à natureza e finalidade de ambas que visam à reposição do valor da moeda.
    Tal entendimento é objeto da súmula 30, do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que “A Comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.”
    Assim, não se pode admitir a cumulação de comissão de permanência com correção monetária.
    No que se refere à multa contratual, a legislação pátria já regulamentou tal instituto ao prevê no § 1º do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor que “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação”.

    Tal dispositivo, como norma protetiva consumerista é de ordem pública e de interesse social, podendo inclusive ser modificado de ofício.

    Reclama a parte autora da incidência de alto índice de correção monetária, alegando que este não reflete a atualização da moeda, mas taxa remuneratória calculada a partir da variação do custo do dinheiro. Entendo que tem razão a autora, embora tenha adotado o INPC, que entendo se configura como índice mais justo para a correção monetária dos contratos, por ser este o que melhor reflete a escalada inflacionária, também o IGP_M, reclamado é um índice aceitável, porque calculado usando parâmetros semelhantes.

    Por último, pretende o autor a REPETIÇÃO DO INDÉBITO. É justo e legal, em se apurando a existência de valores cobrados indevidamente, quando da liquidação de sentença, nos limites aqui delineados, seja restituído, mas na forma simples, ao autor, o saldo favorável, nos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC, vez que não caracterizada a má fé do réu que estava respaldado por contrato celebrado entre as partes, antes de ser declaradas nulas as cláusulas contratuais questionadas.

    O Código de Defesa do Consumidor introduziu no nosso sistema legal, princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva.

    Verifica-se que o contrato celebrado entre as partes foi de adesão, o que pressupõe que uma das partes se obrigada a aderir ou não as cláusulas contratuais impostas pela outra, sendo as cláusulas estabelecidas unilateralmente pelo demandado, sem que o demandante pudesse discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Não houve negociação livremente pactuada.

    Destarte, a boa-fé, princípio geral das relações de consumo, tem como conseqüência a possibilidade de modificação ou revisão da cláusula contratual que contenha prestação desproporcional ou que traga excessiva onerosidade para uma das partes e a proteção contra cláusulas contratuais abusivas.

    Não se torna necessário fato imprevisível para a modificação contratual, pois, nas relações de consumo, não impera a teoria da imprevisão.

    Acrescente-se, nesse sentido:

    “Onerosidade excessiva. Para que o consumidor tenha direito à revisão do contrato, basta que haja onerosidade excessiva para ele, em decorrência de fato superveniente. Não há necessidade de que esses fatos sejam extraordinários nem que sejam imprevisíveis. A teoria da imprevisão, com o perfil que a ela é dado pelo CC italiano 1467 e pelo Projeto n. 634-B/75 de CC brasileiro 477, não se aplica às relações de consumo. Pela teoria da imprevisão, somente os fatos extraordinários e imprevisíveis pelas partes por ocasião da formação do contrato é que autorizam, não sua revisão, mas sua resolução. A norma sob comentário não exige nem a extraordinariedade nem a imprevisibilidade dos fatos supervenientes para conferir, ao consumidor, o direito de revisão efetiva do contrato; não sua resolução.”(Nelson Nery Júnior, obra citada, pg. 1352)

    No direito de revisar as cláusulas contratuais e pelo revelado nos autos, resta provada a boa-fé do autor.
    Pelo exposto, em vista da parte autora não estar depositando regularmente os valores determinados, autorizar que a parte ré desconte no seu contracheque o valor determinado na liminar , vez que os valores existentes nos autos são insuficientes, conforme extrato de fls. 175 e JULGO PROCEDENTE em parte a ação para declarar como abusivas as cláusulas contratuais que estabelece a taxa de juros superior a 12% ao ano, a capitalização de juros e a cumulação de correção monetária com comissão de permanência e determinar a Revisão do Contrato, para que seja observada a incidência de juros remuneratórios no percentual de 12% ao ano e o INPC como índice de correção monetária, bem como declaro a nulidade da cláusula que estabelece a comissão de permanência cumulada com juros de mora e multa contratual, determinando, ainda, que a multa moratória deverá ser cobrada no percentual de 2% sobre o saldo devedor corretamente calculado e excluída qualquer outra taxa, inclusive taxa de cobrança administrativa ou honorários advocatícios extrajudiciais, recalculando-se as prestações avençadas pelos indicativos aqui determinados, admitindo-se a compensação e apurando-se o quantum debeatur, devidamente corrigidos, cujo pagamento das parcelas contratadas, serão calculadas com base no INPC.
    Condeno ainda o réu, em face da mínima parte do pedido ter sido rechaçado, ao pagamento nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC, bem como ao deixo de aplicar a multa por descumprimento da decisão liminar em vista do autor não ter cumprido a medida liminar na integra.

    P.R.I.
    Salvador, 04 de abril de 2011.

    MARIELZA BRANDÃO FRANCO
    Juíza Titular da 29ª Vara de Relação de Consumo

    Fonte: Diário de Justiça da Bahia

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