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20 de Abril de 2024
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    Embargos de declaração e efeito suspensivo

    Publicado por Direito Legal
    há 9 anos

    Muito já se escreveu sobre o efeito suspensivo dos recursos, notadamente quanto a seu regime no recurso de apelação, agravo de instrumento, recurso especial e recurso extraordinário, não havendo, pois, grandes divergências sobre o tema, quer em sede doutrinária, quer em sede jurisprudencial. O mesmo não se pode dizer, porém, do recurso de embargos de declaração e seu eventual efeito suspensivo. Por pouco explorada, trata-se de questão ainda carente de mais acurada análise, o que provoca divergências entre doutrinadores de escol e, o que é pior, nenhuma uniformidade quando é apreciada pelo Poder Judiciário no caso concreto.

    Objetivamente posta a questão, o que se pretende discutir nesse breve estudo é: prolatada uma determinada decisão judicial, opondo a parte, tempestivamente, o recurso de embargos de declaração, terá esse recurso, ou não, efeito suspensivo? Em palavras outras: a oposição de embargos de declaração – ou a mera possibilidade de sua interposição – tem o condão de retirar do decisum embargado sua aptidão para gerar efeitos, suspendendo sua eventual execução?

    Como observado, a doutrina apresenta-se divergente. Prevalece, porém, o entendimento de que o recurso de embargos de declaração é dotado de efeito suspensivo.

    Essa a posição defendida por NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY[1]. Ensinam os ilustres professores que “a regra, no direito processual civil brasileiro, é que os recursos sejam recebidos no efeito suspensivo: a eficácia da decisão embargada fica suspensa pela sua recorribilidade por EDcl, vale dizer, não se admite a execução da decisão que pode ser embargada pelo recurso de EDcl. Com muito maior razão, não se pode executar a decisão que foi efetivamente impugnada pelo recurso de EDcl”.

    Esse, igualmente, o pensamento de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA[2], que em seus comentários ao artigo 497 do Código de Processo Civil explica que o legislador, em tal dispositivo, preocupou-se em indicar os casos em que a interposição do recurso não tem efeito suspensivo. Assim, apenas os recursos ali mencionados, quais sejam, recurso extraordinário, recurso especial e agravo de instrumento, são desprovidos de efeito suspensivo; os demais, aí incluído o recurso de embargos de declaração, por não expressamente mencionados no dispositivo em comento, seriam dotados de efeito suspensivo. Posicionam-se, ainda, expressamente nesse mesmo sentido, ARAKEN DE ASSIS[3] e HUMBERTO THEODORO JUNIOR[4].

    É preciso, antes de avançar na análise da questão principal tratada nesse breve artigo, colocar em destaque aspecto que muitas vezes passa despercebido pela doutrina e jurisprudência, qual seja, a existência, no direito brasileiro, de dois regimes diferentes de efeito suspensivo: o efeito suspensivo ope legis, que decorre de expressa disposição legal e que mais do que suspender os efeitos de uma decisão, obsta que tais efeitos sequer se iniciem; e o efeito suspensivo ope iudicis, que permite ao órgão responsável pelo julgamento do recurso atribuir a ele efeito suspensivo, preenchidos os requisitos legais[5]. Exemplo de efeito suspensivo ope legis: apelação. Exemplo de efeito suspensivo ope judicis: agravo de instrumento.

    A corrente doutrinária majoritária que ora se examina defende, ainda que não de maneira explícita, que o recurso de embargos de declaração é dotado de efeito suspensivo do tipo ope legis.

    Ocorre que, a prevalecer esse entendimento, forçoso seria reconhecer que nenhuma decisão judicial no direito brasileiro teria aptidão para gerar efeitos desde logo. E assim seria pois, possuindo, como quer a doutrina majoritária, o recurso de embargos de declaração efeito suspensivo automático, e sendo, em tese, embargável toda e qualquer decisão judicial (vez que qualquer decisum pode, ao menos teoricamente, ser obscuro, omisso ou contraditório), somente após a fluência do prazo para os aclaratórios é que a decisão poderia gerar seus efeitos. E mais: opostos os embargos tempestivamente, a decisão, que já era ineficaz, assim prosseguiria até que o recurso fosse julgado.

    Os inconvenientes de se adotar esse entendimento são inúmeros.

    Imagine-se, por exemplo, que seja deferida uma antecipação de tutela, em caráter liminar, impondo ao réu o cumprimento de uma obrigação de abster-se de uma certa conduta (por exemplo, paralisação de uma atividade altamente poluidora), sob pena de multa. Por se tratar de uma decisão interlocutória, o recurso que teria o réu para reverter tal decisão seria o agravo de instrumento, o qual, como se sabe, é desprovido de efeito suspensivo imediato, podendo o relator a tal recurso atribuir efeito suspensivo, desde que presentes os requisitos autorizadores (art. 527, III, do CPC). A prevalecer o entendimento da doutrina majoritária, bastaria a esse réu opor o recurso de embargos de declaração para retirar da decisão sua eficácia imediata e com isso prosseguir em sua atividade poluidora, sem se preocupar com o pagamento da multa.

    Perceba-se a contradição: o recurso adequado ao contraste da decisão interlocutória (agravo de instrumento) e que pode culminar na sua invalidação ou reforma, não possui o efeito de obstar que a decisão recorrida opere seus efeitos imediatos; entretanto, um recurso que visa apenas aperfeiçoar a prestação jurisdicional (embargos de declaração), sem chegar a invalidar ou reformar essa mesma decisão, teria o condão de suprimir seus efeitos. Em palavras outras: o que é menos, no caso o recurso de embargos, acaba por gerar um efeito maior (efeito suspensivo imediato) do que o remédio que é mais, no caso o agravo de instrumento.

    Outra situação cogitável: sentença que se enquadra em um dos incisos do artigo 520 do CPC, casos em que a apelação é desprovida de efeito suspensivo e, portanto, pode a sentença ser executada desde logo. Para evitar tal situação, bastaria que o sucumbente opusesse embargos de declaração para suspender tal execução provisória. Repete-se, nesse exemplo, a contradição, talvez em contornos ainda mais nítidos, pois que haveria burla ao texto expresso da lei, no caso o artigo 520 do CPC e seus incisos.

    Não é difícil imaginar a situação de caos que o acolhimento dessa opinião doutrinária geraria na prática: toda e qualquer decisão judicial passaria a ser recorrida, de pronto, por embargos de declaração – ainda que não presentes os vícios da contradição, omissão e obscuridade -, assim procedendo os embargantes com o objetivo de obstar a imediata eficácia das decisões. Consequência automática: não existiria no direito brasileiro decisão judicial apta a gerar efeitos imediatos.

    Celeridade e eficácia comprometidas.

    Parece, pois, correto afirmar que o recurso de embargos de declaração é desprovido de efeito suspensivo, pelo menos o efeito suspensivo do tipo ope legis, que mesmo antes da interposição do recurso já obsta que a decisão recorrida tenha eficácia.

    Com essa assertiva não se quer, entretanto, afastar por completo o efeito suspensivo dos embargos de declaração; o que se pretende deixar claro é que esse recurso não é, e não pode ser, dotado de efeito suspensivo ope legis, sob pena de instalação do indesejável quadro que antes se expôs.

    Restaria, assim, investigar em que situações tal recurso pode ensejar a suspensão dos efeitos da decisão embargada.

    Duas hipóteses são cogitáveis.

    A primeira, quando o recurso que (provavelmente) sucederá os embargos de declaração, possuir efeito suspensivo ope legis. Seria o caso, por exemplo, de uma sentença submetida a recurso de apelação dotado de efeito suspensivo. Sendo omissa, obscura ou contraditória tal sentença e havendo embargos de declaração, o efeito suspensivo inerente à apelação será, por assim dizer, tomado de empréstimo pelos aclaratórios. Em palavras outras, o recurso de embargos de declaração terá efeito suspensivo toda vez que o recurso que o suceder também tiver tal efeito.

    Trata-se de posição que conta, atualmente, com eminentes defensores em sede doutrinária. É o que ensina, por exemplo, FLÁVIO CHEIM JORGE[6], para quem “a aferição quanto ao efeito suspensivo deve ser feita não em relação aos embargos, mas sim quanto ao recurso previsto pelo Código para atacar a decisão possivelmente embargada. Os embargos, em si mesmo, seja a sua interposição seja a mera potencialidade no seu manejo, não influenciam na eficácia da decisão judicial”. No mesmo sentido, FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA[7], que asseveram: ”parece mais correto, contudo, perfilhar o entendimento de FLÁVIO CHEIN JORGE, para quem os embargos de declaração devem seguir a regra do recurso que seria cabível da decisão embargada ou que seja interposto após seu julgamento. (…) Quanto aos embargos de declaração, são cabíveis contra todo e qualquer ato judicial, devendo, então, seguir a regra do recurso cabível na espécie. Assim, se opostos embargos de declaração contra decisão interlocutória, como o agravo não tem efeito suspensivo, os embargos também não deveriam ter”.

    Mas não só nesse caso. Mesmo nas hipóteses em que o recurso adequado ao contraste da decisão for desprovido de efeito suspensivo, caso em que, pela regra exposta no parágrafo anterior, também o recurso de embargos de declaração será desprovido desse efeito, mostra-se possível a atribuição excepcional de efeito suspensivo pelo julgador, quando se entender absolutamente indispensável.

    E quando isso poderá ocorrer?

    Em duas situações, apenas.

    A primeira, nos casos em que a omissão, obscuridade ou contradição for de tal monta que torne efetivamente impossível o cumprimento daquela decisão; a segunda, quando o vício apontado nos embargos de declaração seja tal que possa acarretar a integral modificação do julgado recorrido (efeitos infringentes dos embargos de declaração). Essa opinião foi também manifestada por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER em excelente artigo doutrinário que cuidou desse mesmo tema[8].

    Sistematizando, pois, tudo que se expôs, tem-se o seguinte quadro relativo aos embargos de declaração e seu eventual efeito suspensivo:

    1) A despeito da opinião majoritária da doutrina, o recurso de embargos de declaração não é dotado de efeito suspensivo ope legis. Logo, a sua potencial ou efetiva interposição não altera o regime de eficácia da decisão embargada;

    2) Nada obstante, em duas hipóteses tal recurso assumirá efeito suspensivo:

    2.1.) Quando o recurso que sucederá os embargos possuir efeito suspensivo ope legis, caso em que o efeito suspensivo inerente àquele recurso será aplicado aos embargos de declaração. Ou seja: os aclaratórios terão efeito suspensivo toda vez que o recurso que o suceder também tiver tal efeito.

    2.2.) Nos casos em que a omissão, obscuridade ou contradição for de tal monta que torne efetivamente impossível o cumprimento daquela decisão; ou quando o vício apontado nos embargos de declaração seja tal que possa acarretar a integral modificação do julgado recorrido (efeitos infringentes dos embargos de declaração). Nessas duas hipóteses, nada impede que o embargante requeira ao juízo competente para o julgamento dos embargos que a tal recurso se atribua efeito suspensivo (ope iudicis, por óbvio).

    ***Artigo escrito por Lúcio Flávio Siqueira de Paiva, advogado e sócio do escritório GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados e Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC/GO. Professor Efetivo de Direito Processual Civil da PUC/GO e da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Advogado em Goiânia/GO.

    1. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 914.

    2. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil; 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Vol. 5, p. 236.

    3. ASSIS, Araken. Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2007, p. 242.

    4. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol. I, p. 624.

    5. Classificação de Araken de Assis, em Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2007, p. 245/246.

    6. JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 297.

    7. DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2006, vol. 3, p. 51.

    8. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os embargos de declaração têm mesmo efeito suspensivo? Panóptica, Vitória, ano 1, n. 7, mar. – abr. 2007, p. 70.83. Disponível em:

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